sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A lesma Josué


A lesma Josué estava irritada. Diariamente andava quilômetros para conseguir alimento, mais especificamente, um pedaço de planta. As refeições tornavam-se cada vez mais difíceis.

Teve então uma brilhante ideia. Foi até uma concessionária e roubou um carro. Mas não qualquer um. Josué tinha classe. Afanou uma Maserati. Feliz, sentou no banco de couro e ficou olhando para o painel. Como dirigiria o veículo já que membros lhe faltavam?

Mas isso era apenas um pequeno detalhe para o abusado molusco. Com o guincho da seguradora, levou sua aquisição até um supermercado. Entrou na loja e seguiu para o departamento de brinquedos.

Lá estava ela. Abriu o pacote e arrancou seus braços e pernas. Não sentiria falta, era uma Barbie; as crianças gostariam de qualquer jeito: com braço, sem braço, de cabelos loiros, sem cabelos.

Colocou os acessórios de plástico. O novo Josué correu e pulou. Funcionavam. Entrou novamente em seu importado e acelerou como nunca. Foi para o parque próximo em poucos segundos; logo, cortou a cidade. Saciou a fome, mas não o desejo recentemente criado pela aventura. Próximo passo? Roubar um cortador de grama.


Polandesamente falando: não irrite a lesma Josué. A Barbie quem o diga.

domingo, 25 de setembro de 2011

Ah, o amor... (parte 9 de...)


Sentou e recostou-se na rede fugindo da luz. Seu balanço, feito as ondas visíveis à frente, o levava em pensamentos. Como sentia falta dela. Seu toque, seus olhos, seu mundo.

Recordava claramente o início de tudo. Estavam no mesmo avião, mesmo hotel, ela, no quarto ao lado. Usou uma desculpa ridícula. Sorriu ao lembrar-se da frase. Perguntara-lhe como fazia para chegar em uma rua, que por ela também desconhecida era.

Não precisava ir para lugar algum na verdade, só queria conhecer a bela vizinha. E que forma mais idiota, pensava agora. Ela respondeu-lhe que não sabia, mas, bondosa, poderia tentar descobrir para ajudá-lo.

O lugar era longe, a conversa comprida, e as semelhanças, grandes. Encantou-o com inteligência e delicadeza; com charme e intensidade. A vida provou-lhe que o acaso não existia, e o destino, certeza.

Voltou para sua cidade, acompanhado. Transbordavam sorrisos mútuos, amavam-se. Os dias avançaram do hotel ao altar; da cumplicidade, ao céu.

Lembrava nitidamente do fim. Estavam no mesmo carro, ela, do lado errado. A carreta veio da direção contrária. Cúmplice do desgraçado tempo, não conseguiu agir antes. Viu pela última vez seu lindo rosto e sua doce voz dizendo “eu te amo”.

Chorou em silêncio. Olhou novamente para o mar tranquilo. Contrapunha seu coração há muito transtornado.

Polandesamente falando: mergulhar nas águas do esquecimento é afogar-se na turbulência das memórias.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

sábado, 17 de setembro de 2011

O porquinho do Peru


O animal de asas aterrissou. Era bem maior que aquele acariciado embaixo de sua blusa de moletom, escondido cuidadosamente. Despistou os seguranças antes de partir só para levá-lo. Não poderia simplesmente deixá-lo em uma gaiola. Era seu querido Ted. Não apenas amigo, um companheiro.

Foi assim desde que o ganhou de sua mãe em seu aniversário de sete anos. Ela havia prometido um bichinho. Achou que o presente seria um cachorro. Quando o viu de pronto, estranhou, não sabia o que era. Parecia uma mistura de rato com castor. Mas depois que notou aqueles grandes olhos e o formato arredondado de seu corpo ficou encantada. Cabia em sua mão. Fofinho demais.

Andando pelo aeroporto, observava os diferentes traços faciais e vestimentas. Lima era desconhecida por todos da família, mas estavam entusiasmados com o novo lar. Seu pai havia sido transferido a trabalho para a cidade e a esposa e sua filha pequena – a dona do porquinho - o acompanharam na trajetória.

Chegando ao estacionamento, o pai assoviou para um táxi. Indicou no papel o endereço desejado.

- Bueno – disse o motorista colocando a primeira marcha.

No decorrer do percurso a garota observou vários pôsteres de animais parecidos com o seu pelos comércios das ruas. Falou baixinho:

- Olha que legal, Ted! O pessoal adora os porquinhos aqui! – o animal lambeu seu dedo em contentamento.

Chegaram à casa da hospedeira. Tia Francisca os instalaria até que encontrassem moradia própria. Na sala principal móveis de madeira e panos bem coloridos compunham o cenário. Era tudo muito diferente de seu apartamento cinzento e minúsculo em São Paulo.

- Buenos dias – cumprimentou a tia, abraçando o pai da garota com força.

- Por Dios, que alegria! Trouxeram um presente pra mim! – Falou a peruana, olhando animada para o animal e puxando-o da menina. – Que macio! - disse, acariciando-lhe. - Ficará delicioso com um pouquinho de pimenta e alecrim! – Ted tremeu.

Cozido de porquinho da índia no Peru era comum. Os restaurantes o serviam de diversas maneiras; era bastante procurado.

A filha arregalou os olhos e, espumando, arrancou-lhe da assassina de bichinhos de estimação. Correu pela casa apressada, fugindo. Francisca a perseguiu.

A mãe se jogou contra a homicida latina, mas esta se desvencilhou do golpe frustrado.

- Volte aqui, niña! – falou a aniquiladora, tentando acelerar com seus chinelos de pano pelo corredor. Não viu o pé de seu sobrinho semilevantado. Tropeçou e caiu batendo a cabeça na parede. Desmaiou. Ele riu, vitorioso.

A filha aproveitou o deslize e ganhou mais vantagem. Passou pela cozinha e viu a panela com água fervente. No balcão próximo havia um pedaço grande de carne. Deduziu ser frango. Não pensou duas vezes. Jogou-o na panela.

Já reanimada do acidente, Francisca, confusa, perguntou aos visitantes:

- Onde está aquele delicioso porquinho da índia?

- Porquinho? – responderam os três em uníssono. – Você bateu a cabeça muito forte hein, Francisca? – falaram rindo, enquanto a garota escondia Ted atrás das costas.


Polandesamente falando: o parentesco é ignorado pelo distinto costume não-aceito, quando o que mais importa é o proteger.

domingo, 11 de setembro de 2011

Poste Grande Paulista


Polandesamente falando: em Vargem Grande Paulista, maiores ainda são os postes. Isso porque não coube na foto. Concordo com o morador: "Não quero este poste aqui!", agora, se fosse vagem...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A chuva (a)guardada


A cidade muda para recebê-la. Pernas agitadas, descompassadas. Sua chegada é tão expressiva que os habitantes se preparam para presenciá-la. Vestem-se com um distinto equipamento, num ritual típico. Com ele, esquivam-se de gotas, enxurradas. O objeto criado especialmente para o líquido límpido serve de guardião, dos humanos.

Um nome e uma função díspares. O dever de desviar descendente aquoso contra a finalidade nominal do armazenar.

O utilitário nos faz mergulhar na ambiguidade do serviço material. Ao mesmo tempo que serve de proteção pluvial, seu design não favorece sua função. Muitas vezes ficamos ensopados, guardando a chuva na roupa e calçados, vezes na mochila; assim mostrando a conotação de reter água.


Polandesamente falando: é hora de trocar seu nome ou sua função?

domingo, 4 de setembro de 2011

5 sentidos


Avistou-a ao longe. Viu o rosto guardado em seu coração. Viu novamente a saudade ir embora.

Ouviu seu nome clamado em melíflua voz. Presenciou novamente o som do viver.

Envolveu-a num abraço carinhoso. Suas mãos se recordavam o ponto exato alcançado em suas costas e de seu cabelo macio. Sentiu seus contornos. Sentiu novamente o acolhimento que há tanto se fôra.

A doce mistura de flores e baunilha brindou-lhe o respirar. Sentiu sua composição odorífera natural. Sentiu novamente o ar que conhecia há anos.

Entregou-lhe a entrada da alma. Sentiu novamente em seus lábios o velho - mas nunca esquecido - gosto de seu amor.


Polandesamente falando: as formas básicas de perceber o mundo nos proporcionam a preciosa vivência memoriada.