terça-feira, 26 de abril de 2011

Atitudes florescentes


- Bom dia, senhor presidente - disse um outro senhor, batendo as mãos já limpas em seu avental de trabalho na esperança de ficarem melhores, estendendo-as.

- Bom dia - respondeu o excelentíssimo, correspondendo o cumprimento - Por favor, me chame de Fernando.

- Em que posso ajudá-lo, Fernando?

- Faça o que sabe fazer de melhor. Deixe esse lugar bem bonito, como ela fôra.

- Eu o farei com muito prazer e honra, senhor.

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Orquidário Ruth Cardoso
http://www.ambiente.sp.gov.br/vernoticia.php?id=1047

Oficina de orquídeas
http://vejasp.abril.com.br/noticias/parque-villa-lobos-oferece-oficina-gratuita-de-orquideas


Polandesamente falando: apesar de todos os problemas mundanos, ainda encontramos pessoas praticantes de atitudes agradáveis aos olhos do planeta. Sr. Trisca, que a beleza de seu trabalho floresça em mais jardins, lugares especiais adubados por seu carinho.

terça-feira, 19 de abril de 2011

A sociedade num serviço


Congelou. Não queria entrar. O suor escorria levando consigo a coragem restante. A porta à frente causava-lhe transtornos e calafrios. Tinha medo de atravessá-la; não pelo que o aguardava, mas por temer recordar sua dor. Tentava esquecer, precisaria adentrar o lugar de qualquer maneira. As poucas horas complementares que tinha vieram-lhe à mente. Poderia ir ao teatro ou exposições, mas não havia tempo suficiente, só isso salvar-lhe-ia o ano quase perdido.

A casa amarela não estava longe. Caminhou lentamente por paralelepípedos sombreados pelas árvores altas do estacionamento até chegar ao destino: a grande porta de madeira. Esticou o braço para tocar a campainha, mas a maçaneta ganhara vida antes de conseguir finalizar o movimento.

- Bom dia, meu jovem! - disse a funcionária. - Siga-me, por favor.

Acompanhou seus passos por um corredor comprido e mal iluminado enquanto observava ao redor. Quartos assimétricos com diversas camas amontoadas compunham a travessia. Contou quinze. Estavam vazios.

- Você fica por aqui – disse distanciando-se.

A mulher com roupas simples o levara até um saguão. Senhores e senhoras em cadeiras de rodas, muletas e andadores compunham o cenário. Uns conversavam entre si, outros olhavam para cima focando as plantas penduradas, ou apenas o nada.

O lugar era deprimente, não por decadência ou simplicidade da construção e da mobília, nem mesmo pela precariedade dos aparelhos médicos, mas sim pela massa invisível de agonia que envolvia a realidade - ou seu pequeno nível - dos residentes.

Por mais alegres que parecessem, transmitiam tristeza. Embora sorrissem, escondiam a lamúria interior do vazio inconsciente.

O garoto não sabia o que fazer. Se falava sobre o tempo, a infância ou se perguntava se gostavam de matemática. Enquanto devaneava, um senhor fardado colocava compulsivamente biscoitos na boca e empurrava as rodas de sua cadeira para perto dele. Parou a seu lado e sem dizer nada e entrelaçou-lhe os dedos.

Com as mãos melecadas de bolacha mal mastigada, o rapaz não sentiu nojo ao segurá-las, apenas seu calor. Ficaram assim por horas, em silêncio.

Quando a Lua começava a mostrar seu brilho, o senhor, com dificuldades, balbuciou:

- Obr... obr... obrigado.

Observou-o tão frágil e inocente; a imponência passava longe daqueles olhos de ex-sargento do exército. Tanto conhecimento e bravura transformados em incapacidade da fala coerente.

Sentiu o carinho, a saudade de seus avós e a emoção do instante. Sentiu uma lágrima.

Relembrou das horas atrás na porta de entrada. Descobriu finalmente o que realmente sentia. Não era o medo de estar ali, e sim vergonha por ter pensado que aquilo eram apenas horas complementares.

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Há males por toda a parte. Alzheimer, Parkinson, João, José... O pior deles é o da ignorância.

O maior benefício em abraçar a sociedade, é aquecer a si mesmo. É ter consciência de que enxergar a vida, é envolver-se dela.

Polandesamente falando: e assim se vai a vida, sabiamente perdida, ou inconscientemente esquecida.

sábado, 9 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 7: The Gran Finale


A viagem ao próprio descobrimento intelectual chegou ao fim. Não desvendara pensares, apenas. Conhecera novas emoções, percepções sobre o mundo, as pessoas e a vida. Ficam experiências, se vão opiniões e a lembrança de que, mesmo no conturbado mar das diferenças e injustiças, o límpido palpitar de verdadeiros corações marcam a beleza do ser e do viver.

Polandesamente falando: day seven, complete. “Ai, que saudades do céu, do sal, do sol de Maceió...” O incrível deslumbre deixará saudade. Mas, falta mesmo, fazem os distantes, eternamente permanentes e veneráveis.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 6: o “Velho Chico”


O velho Chico estava cansado. Trabalhara desde menino em prol de todos de Piaçabuçu. Fornecia peixes, caranguejos, água para as lavadeiras e economia para o estado. Era inestimável. Provia vida.

Apesar da idade avançada, seus serviços eram muito valorizados, e por isso, povos vizinhos queriam comprá-los.

Nas entrelinhas do contrato, a condição: teria que se mudar. Não para a esquina próxima ou o vilarejo seguinte, mas para a cidade longínqua.

Os interessados faziam de tudo para convencê-lo. Ofereceram-lhe ouro, diamantes, menos horas de expediente e eterno conforto.

Mas Chico não queria promessas luxuosas. Mesmo exausto pela sofrida vida, era feliz assim. Amava sua família e ao extremo sul pertencia. À proposta recusou sem pensar, e nunca se mudou.

Polandesamente falando: day six, complete. Deus realmente é brasileiro.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 5: Lábia alagoana


Sentada confortavelmente, olhava pela janela do ônibus. O céu límpido, os coqueiros e a gostosa brisa levavam ao longe seus pensamentos. Foram interrompidos num instante.

- Licença, vou me sentar – disse o homem uniformizado.

- Ah, claro – respondeu a garota, olhando-o rapidamente e voltando a atenção para a estrada.

Não havia passado nem quatro minutos, quando:

- Oi, eu sou o Evandro, e você?

“Como se alguém houvesse perguntado.”

- Sandra – informou.

O alagoano tinha cor e brilho de quebra-queixo. Não parecia ser mais alto ou muito mais velho que ela.

- Vou fazer uma pergunta meio antiética... Quantos anos você tem?

“E bota antiético nisso, né, meu filho?”

- Quantos acha? – retrucou, tentando deixá-lo sem graça pela resposta que viria a seguir. A maioria sempre chutava para mais.

- Hum... Vejamos... Vinte e sete?

- Não – disse rindo. – Tenho vinte e quatro.

Fez de propósito, na esperança de envergonhá-lo, ou pelo menos enquietá-lo.

“Aí, garota!”

- E você veio fazer o que nessa cidade? – continuou, ignorando o plano secreto da moça.

Mesmo um pouco mais morena que o comum para uma paulistana, comparado ao cabra, parecia um sequilho. Provavelmente o fato delator de tal suposição.

- Férias - rebateu.

- Ah, que maravilha! Veio sozinha?

“Mas que incherido!”

Não sabia se dizia a verdade ao rapaz. Parecia confiável, era o que seus olhos diziam.

- Sim.

- Mas, por quê?

“Nossa, mas esse cara é folgado mesmo, hein! Não é da tua conta, ô cara de calango arretado!”

- Ah, ia vir com meus amigos, mas eles não conseguiram; então cá estou.

- Entendi. Bom, se precisar de companhia pra hoje à noite, adoraria conversar mais com você - disse, piscando um dos olhos.

...

Polandesamente falando: day five, complete. O que que a paulistana tem?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 4: Miragem marítima?


As águas agitaram-se com o impacto. Não havia saltado de muito alto, mas outras ondas haviam se formado. A temperatura morna do mar era agradável. Olhou para baixo e reparou nos peixes ao redor; proporcionavam um colorido deslumbrante. Algas dançavam feito seu cabelo comprido.

Nunca fora fã do mar, mas o cenário encantador era apaixonante...

Polandesamente falando: day four, complete. Um paraíso real.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 3: Mordendo a isca


Corria pela rua de paralelepípedos. O contato dos chinelos com o chão molhado a fazia escorregar. “Isso é hora de chover, ô São Pedro?”

O céu ameixa do lado sul lembrava o fim dos tempos. “Ainda bem que vou pro norte”. Continuou apressada; ainda faltavam 400 metros. “Que eu não caia agora de cara pro chão e não quebre o nariz. Se bem que se eu olhar pra ele de close posso pedir indenização. Quanto será que ganharia? O valor da minha altura, multiplicado pela velocidade da queda, hum... vezes 2? Não. No máximo mais pares da perigosa vestimenta.”

Para sua sorte - “Ou não. Tava começando a gostar de idéia de ter várias opções para desfilar no Coc’s Place (Shopping Interlagos)” –, chegou com o nariz perfeito e sem chuva. Aproximou-se de uma mesa de plástico e sentou-se. Ao redor, diversas árvores altas com pontos escuros e móveis. “Eita, diacho! Que raio é isso?”

Apertou os olhos tentando definir o que vira. Pequenos macacos habitavam seus galhos. Iam de um lado para outro, agitados.

- Macaquinho, bonitinho... Vem aqui, vem! – dizia o japonês, imitando voz de criança e estendendo a mão para o tronco da árvore.

“Que bobo! Só se for uma criança com possível problema mental.”

O animal, desconfiado, não se moveu. Olhou para o humano e depois para a banana. “Ah, rapaz. Palavra mágica!”

- Macaquinho quer banana? Ah, quer? O tio tem bananinha! Vem pegar! – continuou.

“Não. Macaco quer lasanha quatro queijos com bolinhos de arroz.”

Convencido pelo cheiro do alimento – “Alimento? Que nada! Foi pelo fenomenal discurso do senhor Miyagi!” -, aproximou-se e mordeu um dos pedaços num movimento rápido. Não demorou para todos acabarem.

O primata, ainda com o estômago insatisfeito, avançou novamente. Não encontrou a banana invisível e acabou mordendo o dedo do homem.

- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! – Urrou de dor, soltando palavrões na língua dos “olhos fechados”.

“Cadê o ‘macaquinho bonitinho’ agora?”

Antes que pudesse fugir, o agarrou pelo rabo e retribuiu o carinho. Mordera a coxa do coitado.

- Viu como dói, desgraçado?

A garota contendo o riso, lembrou-se de um aviso que leu em um banheiro: “Subir no vaso pode causar graves acidentes.”

“Subir em vasos já não sei, mas alimentar macacos...”

Polandesamente falando: day three, complete. “Macacos me mordam!” ou deixem para o japonês.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 2: Marca registrada


A xícara estava metade vazia. Apertou o botão. O filete marrom saía em gotas. “Legal!” Tentou a outra garrafa. “Não tem jeito. As forças do além amaldiçoaram as segundas-feiras de todos os estados deste país.” Nem pingos desta vez, apenas a tampa suja com o líquido branco habitava o recipiente. O guardião uniformizado da fome matinal veio salvá-la:

- Leite e café, moça?

“Não seria café com leite? Se inverter não faz sentido; seu criminoso da primeira refeição do dia! É como colocar a Julieta antes do Romeu. Não orna na pizza, meu bem, só na música da Daniela Mercury.”

- Sim, por favor – disse por fim, completando-a de leite e café (“se ele faz tanta questão...”)

Andou até sua mesa e depositou o pires sobre a toalha estampada. A harmonia das cores alegrava ainda mais o momento. Tomou um gole e mordiscou um pedaço de pão com manteiga de garrafa. “Hum, delícia!” Como gostava do café da manhã, especialmente o de hotéis. Eram pães, bolos, leite; tudo que se imagina, e naquela cidade não seria diferente. Ovos cozidos, queijo de coalho, purê de macaxeira com carne de sol, torta de aipim, tapioca feita na hora, suco de umbu, cajá, etc.

Coragem para experimentar até tinha, mas o estômago embrulhado, como presentes sensíveis envoltos em plástico-bolha, a fez optar pelo básico mesmo. Não comeu em seu ritmo de tartaruga, pois pouco tempo lhe restava antes da chegada do ônibus, mas o horário que tinha, permitiu-lhe apreciar os alimentos e a vista da piscina defronte.

Após terminar a refeição, sentou-se no sofá do hall. Era cedo, não passava das 7:10, mas o calor intensificava-se. Enquanto aguardava, via as notícias locais. Um grupo de delinqüentes havia explodido um caixa eletrônico no bairro vizinho. “Até aí, normal!” Em sua cidade natal acontecia com freqüência, mas não com fogos de artifício. “O quê? Os bandidos querem comemorar o crime antes mesmo de finalizá-lo? Ou estão em busca de uma rica explosão de alegria?”

- Bom dia! – gritou a mulher de amarelo, cortando seus pensamentos. - Vamos lá?

“Não. Vou ficar aqui esperando pela próxima aventura dos assaltantes. Talvez após outro roubo saiam voando em balões de gás hélio para quem sabe pegar uma prisão mais leve.”

- Vamos, claro! – respondeu a moça, entrando no veículo.

Não deu tempo para um dorme/acorda, muito menos daria para atravessar a Paulista. Haviam alcançado a parada “santa”. O movimento das rodas cessou dando vista à igreja no alto do morro. Era hora de descer.

- Óia o colarzinpusera! – dizia o vendedor ambulante aproximando-se da garota. - Compra o colarzin, puquê é abençoado!

“Hein? Abençoado?” Como se estivesse escutado, confirmou:

- É abençoado, moça. Tu pega as sementinha e joga de cima do morro depois que fizer 3 deseju. Tome aqui! – falou, puxando a mão da visitante e depositando as unidades vermelhas bem ao centro.

- Quanto é? – rebateu a jovem, enquanto guardava sua bênção na bolsa.

- É dois pu dez e a bênção di graça! Mas, pega logo que tá acabanu, visse?

“Tá acabando o quê? A bênção ou as bijus?”

O braço do rapaz estava repleto de correntes, pulseiras e anéis.

“Não tô precisando de nenhum milagre mesmo.”

- Acabando? Puxa... – falou ironicamente.

As bijuterias eram realmente muito bonitas e bem feitas. “E ainda vem com milagre!”

- Me dá um colar e uma pulseira, então.

Guardou as compras e voltou para o ônibus. Em sua janela passavam lagoas, coqueiros, favelas, mansões e o porto. Após contados 26 minutos, finalmente chegaram na praia dos Franceses.

Nas areias de escargot, dois senhores de quase 1,50 cm cada começaram a cantar. A famosa repente nordestina ganhava os mares e a barraca à sua frente. O casal da mesa ria com as frases rápidas – às vezes bobas, ainda assim, inteligentes - de humor.

(E essa moça aqui, que de Sumpaulo deu partida, é tão bonita que dá até ferida...)

Olhava o mar verde e o céu azul, e quando este ficou nublado, estranhou. A sombra de um homem tapava sua visão.

- Vamu fazê uma tatuagi? – questionou o vendedor de pele dourada e cabelos queimados.

A garota olhou para cima analisando o volumoso mostruário. “Será que...”

- Tem de panda? “Duvido!”

- Tenhu duas. Dêrra eu ti mostra – e começou a folhear a barsa dos pigmentos.

“Juuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuura?”

Incrédula, abriu um enorme sorriso. Era a primeira vez que havia encontrado “hena chinesa”. Olhou as opções e escolheu de prontidão. O rapaz copiou o desenho em um papel de seda e disse:

- Onde vai querer?

- Aqui nas costas.

O homem passou o esboço para a pele de sua cliente.

- Vai doer? – perguntou rindo.

- Ah, são só umas picadinhas de leve.

“Juuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuura? Mas hena não dói! Pode ir parando já, seu caranguejo satânico!”

Não sentiu incômodo algum, muito menos dor; afinal, estava fazendo sua primeira tatuagem. De mentira? Sim, mas pelo menos não era de pacote de salgadinhos.

- Prontu. Aqui tá sua lembrança diMaceió.

“Você não faz nem ideia, moço...”

Polandesamente falando: day two, complete. Quero uma tatoo (de panda) de verdade!

domingo, 3 de abril de 2011

Especial de Férias. Há lagoas (com) palavras. Day 1: Voo 3472 com destino à Maceió


Uma pedra de gelo pressionava seu estômago. Não pelo clima afora, ou a saudade que a pouco começaria a brotar, mas pela ânsia de emoção. Olhou para trás uma vez mais e sorriu com gosto para seus amados pais, que tão benevolentes a acompanharam até ali. Haviam acordado muito cedo, ou nem dormido, na verdade. Deu um passo à frente. Estava iniciada a caminhada para a aventura inédita.

Passar pelo detector de metais era demasiado divertido quando se assistia numerosos filmes de ação. “Apita pra eu te xingar! Apita pra eu te xingar!” Mas, nada. Teria que se contentar em palavrear obscenidades às cancelas de mercado e shoppings mesmo.

Enquanto caminhava pelo aeroporto (que ficava depois da put... q... iu), observava as diferentes famílias. Casais de idosos, jovens em lua de mel, crianças com seus pais, que corriam, gritavam e corriam. “Eita pique do caramba! Na minha época, às 4 e pouco da manhã eu estaria morrendo de sono. Falando nisso, eita SONO do caramba! Por que eu fui me lembrar disso? Esquece isso, oras!” Sua altura privilegiada a permitia ter uma visão geral da multidão desconhecida, ao mesmo tempo tão próxima pelo mesmo fim.

Chegou ao portão de embarque indicado. “E lá vamos nós!” – com a mesma empolgação que os desenhos do Pica-Pau. Incrível como simples números e suas combinações fazem de um tal local, um não outro qualquer.

- Atenção passageiros do voo 3472 com destino a Maceió...

O alto-falante anunciou a aventura de pensamentos. A garota, arranjos de ideias, sua mochila e o destino, embarcaram.

Sentou na poltrona indicada ansiando relaxar...

- Senhor Valter Antônio, favor identificar-se – disse a aeromoça, que de moça não tinha nada. (Se bem que nem o “leite Moça” tem, até aí...)

Aceitou os fones de ouvido oferecidos na esperança de fazer a funcionária que gostava de leite condensado fechar a matraca. “Caraca! Quem colou isso? Aposto que foi o Valter Antônio. Por isso que não tá no avião. Ficou colando todos os fones do mundo. Maldito!”

Com a dificuldade sanada por sua incrível habilidade Macgyver em manuseio de materiais auditivos, finalmente colocou-os. The Beatles cantavam “a Jude”, mas ela era muito difícil e não caiu em seus charminhos sonoros.

- Bom dia! Meu nome é Sandra e sou chefe de cabine deste vôo... “Coitada.”

Batucando na janela, esperava a decolagem. Era o ganhar do mundo numa reta asfaltada. Assim como o avião, seu coração acelerou no breu gasoso. O barulho da turbina abafava a pobre Jude. “Uiiiiiiiiiiiiiiip!” Ela adorava essa parte. Pensava no cabelo Ianomami da índia musicalizada, onde num show a pouco escutara tão claramente. Pensava em seus amigos, na sua família tão amada. Pensava na sua banda favorita, que no mês seguinte estaria presente em sua cidade.

Sowing seeds of Love complementava suas divagações. Trilha melhor não havia. Seus pensamentos eram embaralhados pela mistura de sensações. Apesar do sono e cansaço por não ter dormido, não conseguia descansar as retinas, e também não tinha vontade. Olhou ao redor. Os outros passageiros adormeciam.

O chacoalhar causava-lhe enjoos. John Mayer (“que rádio legal!”) tentava salvá-la com sua (dela, na verdade) Heartbreak Warfare enquanto olhava para baixo através da pequena janela. Um novo verde formava-se pela bela luz estrelar. Os 26ºC brindavam sua chegada.

- Tripulação, pouso autorizado – disse o comandante. - Tempo de chegada estimado em 15 minutos, isso se não tiver congestionamento. (Ok, a parte após a vírgula foi invenção da garota)

Saindo do pássaro metalizado, caminhou até o carrossel de bagagem. Mesmo em férias, as pessoas corriam para as esteiras. “Gente, calma!” Não se davam conta que, como numa rua sem saída, o encontro com o final é exato. Amontoavam-se feito comemoração (em boteco) de gol do Brasil em Copa do Mundo. A garota, paciente, aguardava passos atrás por sua coletânea de pertences. “Olha minha mala ali!” A bagagem magenta com fitas coloridas e floridas era inconfundível.

Chegando finalmente em seu hotel, depois de intermináveis, mas agradáveis horas, jogou-se na cama. O vento gostoso do ar-condicionado acariciava sua pele quente. Usufruía deste artifício em São Paulo, mas nos dias de extremo calor não notava a santidade do objeto. Agora, em Maceió, onde geralmente fazia 34ºC à sombra, entendia o milagre desta invenção. Imaginando o que passaria na rua, aproveitou um minuto mais a sensação. Trocou as calças de sarja por algo mais apropriado ao local e refrescou-se como pôde na pia. Colocou seus óculos escuros e saiu.

“Esquerda ou direita? Sempre gostei mais de andar na direita.” Já na avenida beira-mar - em Ponta Verde -, onde o mar literalmente justificava a bela cor, caminhou pela ventania ondulada. Seu destino incerto tinha apenas um propósito: apreciar a paisagem.

Conforme andava, analisava os diversos tons de pele, as alturas similares e o sotaque característico. Alegre que só, caminhava pela avenida principal apreciando o vento, o Sol, o cheiro de férias e os belos coqueiros. Uma voz repentina, ouviu:

- Bateram na mulher! Bateram nela!

A garota virou-se para compreender a cena. Um morador de rua gritava ao trio de policiais uniformizados. Suas roupas cor de areia molhada proporcionavam uma sensação de sauna. “Ô, calor!” Os fardados, desconfiados, não se mexeram de imediato. Insistente, o indigente adicionava:

- É, o cara de moto bateu nela! Bateu na mulher e saiu correndo!

A garota, tomando um cuidado a mais, decidiu sair dali rapidamente. Ao Sol do meio-dia era humanamente – com exceção do povo local – impossível para uma paulistana cor de leite de soja prosseguir, afinal faltava a outra metade de sua jornada diária. Decidiu apreciar um belo açaí. “Será que tem tamanho mastodôntico? Será que eles colocam macaxeira, tapioca, camarão e bolo de rolo tudo junto?”

Será?

Polandesamente falando: day one, complete. Quer saber mais?