domingo, 21 de novembro de 2010

Tenha a bondade



Um rato oscilava pelo passeio sombrio. Há horas procurava substância nutritiva. A gélida noite soava lástima e com o roncar estomáquico do roedor hamonizava. A visão, já turva pelo cansaço, brindava-o com alucinações. O vento trazia possível fartura, e esperançoso, o animal aguardava. Logo, a extensão retilínea entre a comida e seus olhos encurtava e tornava-se mais um suspiro. Insistentes, suas patas continuavam deslizando.

Icontáveis passos deu, até que meia maçã rolou em sua direção. Parecia cessar a interminável busca. Contemplou a exígua fruta em imperceptível podridão. Tal foi seu contentamento que decidiu conduzi-la à um abrigo para assim assegurar a continuidade de sua existência.

Na jornada atemporal pela sobrevivência, adiante, um obstáculo. O rato stagnou-se e analisou o amontoado com aferro; pareceu-lhe humano. Aproximou-se e a certeza surgiu. Um homem. Envolto em trapos imundos e estirado no centro da calçada entrava em modorra. Os pelos que combriam-lhe a extensão eriçaram-se em repulsa, náuseas afloraram. Os humanos causavam-lhe aversão, contudo, não tinha forças para cruzar a rua. Atravessaria com cautela para não despertá-lo.

Aos poucos locomovia-se e analisava o morador do caminho público, que magérrimo e abatido, lacrimejava e tremia. A visão da mediocridade agitou o âmago de seu órgão pulsátil.

- Um rato... - Murmurou o homem em transe, percebendo o visitante e fazendo uma careta.

O pequeno mamífero ficou imóvel por um instante, e, em seguida, decidido, empurrou a maçã encostando-a na face do sem-teto. Olhou-o por um segundo mais e com celeridade afastou-se.

Ainda sonolento, o indigente balbuciou:

- Obrigado ratinho.


Polandesamente falando: agir com bondade é mais do que simplesmente fazer algo para agradar alguém. É abrir mão do que mais necessita, quando percebe que o que precisa é ajudar quem não tem consciência disso.

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