terça-feira, 19 de abril de 2011

A sociedade num serviço


Congelou. Não queria entrar. O suor escorria levando consigo a coragem restante. A porta à frente causava-lhe transtornos e calafrios. Tinha medo de atravessá-la; não pelo que o aguardava, mas por temer recordar sua dor. Tentava esquecer, precisaria adentrar o lugar de qualquer maneira. As poucas horas complementares que tinha vieram-lhe à mente. Poderia ir ao teatro ou exposições, mas não havia tempo suficiente, só isso salvar-lhe-ia o ano quase perdido.

A casa amarela não estava longe. Caminhou lentamente por paralelepípedos sombreados pelas árvores altas do estacionamento até chegar ao destino: a grande porta de madeira. Esticou o braço para tocar a campainha, mas a maçaneta ganhara vida antes de conseguir finalizar o movimento.

- Bom dia, meu jovem! - disse a funcionária. - Siga-me, por favor.

Acompanhou seus passos por um corredor comprido e mal iluminado enquanto observava ao redor. Quartos assimétricos com diversas camas amontoadas compunham a travessia. Contou quinze. Estavam vazios.

- Você fica por aqui – disse distanciando-se.

A mulher com roupas simples o levara até um saguão. Senhores e senhoras em cadeiras de rodas, muletas e andadores compunham o cenário. Uns conversavam entre si, outros olhavam para cima focando as plantas penduradas, ou apenas o nada.

O lugar era deprimente, não por decadência ou simplicidade da construção e da mobília, nem mesmo pela precariedade dos aparelhos médicos, mas sim pela massa invisível de agonia que envolvia a realidade - ou seu pequeno nível - dos residentes.

Por mais alegres que parecessem, transmitiam tristeza. Embora sorrissem, escondiam a lamúria interior do vazio inconsciente.

O garoto não sabia o que fazer. Se falava sobre o tempo, a infância ou se perguntava se gostavam de matemática. Enquanto devaneava, um senhor fardado colocava compulsivamente biscoitos na boca e empurrava as rodas de sua cadeira para perto dele. Parou a seu lado e sem dizer nada e entrelaçou-lhe os dedos.

Com as mãos melecadas de bolacha mal mastigada, o rapaz não sentiu nojo ao segurá-las, apenas seu calor. Ficaram assim por horas, em silêncio.

Quando a Lua começava a mostrar seu brilho, o senhor, com dificuldades, balbuciou:

- Obr... obr... obrigado.

Observou-o tão frágil e inocente; a imponência passava longe daqueles olhos de ex-sargento do exército. Tanto conhecimento e bravura transformados em incapacidade da fala coerente.

Sentiu o carinho, a saudade de seus avós e a emoção do instante. Sentiu uma lágrima.

Relembrou das horas atrás na porta de entrada. Descobriu finalmente o que realmente sentia. Não era o medo de estar ali, e sim vergonha por ter pensado que aquilo eram apenas horas complementares.

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Há males por toda a parte. Alzheimer, Parkinson, João, José... O pior deles é o da ignorância.

O maior benefício em abraçar a sociedade, é aquecer a si mesmo. É ter consciência de que enxergar a vida, é envolver-se dela.

Polandesamente falando: e assim se vai a vida, sabiamente perdida, ou inconscientemente esquecida.

2 comentários:

  1. Pois é e quando nos deparamos com a realidade cara a cara muitas vezes foi porque cometemos um grande erro no passado e que nos levou ao pagamento em enfrentar a realidade tão dura por si só, mas é isso que mpvimenta a nossa vida, pois nem sempre teremos os nossos pais para encobrir os nossos atos ou muitas vezes teremos que ocultar alguns acontecimentos que tivemos que não tivemos escolhas mas ocultamos em proteção daqueles que mais amamos, mas uma coisa é certa não devemos nos arrepender de nada, pois cada erro é um ponto para o nosso amadurecimento e melhor ainda é o choque com a realidade que nos torna cada vez mais humanos.

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  2. Acredito que estejamos nessa vida para aprender, e cruzar essas portas para a realidade só depende de nós. Depois de conseguirmos cruzá-las descobrimos que é necessário muito pouco para sermos felizes e diminuirmos o sofrimento alheio.

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